Devo em primeiro lugar dizer que esta nota não se originou propriamente em mim. Assim sendo, nem sequer vou referir o destinatário, coisa que me tornaria verdadeiramente rebarbativo.
Passo a explicar: há uns dias um aluno perguntou-me quais eram as habilitações necessárias para fazer crítica musical nos media, tendo em conta uma crítica que ele tinha ouvido recentemente e que visava um concerto no qual eu tinha participado. Conhecendo-me, o meu aluno duvidou seriamente do conteúdo da crítica, já que apresentava um defeito meu enquanto cantor que ele sabe que não tenho (meu Deus, é muito difícil manter estas descrições genéricas...).
A verdade é que com a explosão da blogosfera e o acesso facilitado aos media por indivíduos sem qualquer tipo de formação ou qualificação que vá frequentemente além de gosto pessoal pelas materias que criticam ou, no caso da música, uma discoteca bem preenchida e uma assinatura da Gramophone, começamos a ser cada vez mais confrontados com opiniões pessoais que são apresentadas como factos.
Para mim este fenómeno tem vários pontos negativos.
Um deles é o criar e difundir de opiniões sobre artistas baseadas na observação de terceiros. Ninguém pode estar em todos os concertos e récitas de ópera deste país, mas se virmos uma série de críticas denegrindo um determinado artista, críticas essas que podem ser baseadas no gosto de uma pessoa que não conhecemos, podemos formar uma opinião sobre algo ou alguém sem nunca a ter ouvido. Relativamente a um dos meus colegas que é dos melhores e mais requisitados cantores da nossa praça e indicutivelmente um grande cantor o dito crítico disse: " para mim aquilo não é cantar, é gritar". Desafio qualquer pessoa que nunca tenha ouvido o cantor em questão a ouvi-lo depois desta crítica sem ter um mínimo preconceito.
Em segundo lugar está a auto-estima do jovem artista. Se bem que não esteja ainda na terceira idade, já se passaram umas duas décadas desde que comecei a estar debaixo do escrutínio público com o meu trabalho com o Grupo Vocal Olisipo. Resulta daí que quando comecei a ler críticas ao meu desempenho como solista tinha mais de dez anos de experiência com críticos. Se assim não fosse, teria tido muito mais dificuldade em ignorar as críticas que considerava incorrectas (tanto negativas como positivas) e em retirar delas aquilo que era construtivo e passível de me ajudar a melhorar. Um artista em início de carreira pode não ter esse discernimento e sofrer bastante com o que é escrito ou dito sobre ele.
O último dos pontos negativos é o desacreditar da importantíssima profissão de crítico. Se muitos dos críticos forem ignorantes quanto ao objecto que criticam e fizerem observações baseadas no seu gosto pessoal mascaradas de verdades absolutas o todo passará a pagar pela parte e todas as críticas serão alvo de dúvida.
Para quem possa pensar que este último ponto está aqui funcionando como advogado do Diabo saiba que comprei recentemente (bem, há uns dois anos...) o livro "A culpa foi do maestro" que colecciona as críticas daquele que eu considero ser um dos melhores ou mesmo o melhor crítico musical do nosso país, Alexandre Delgado, infelizmente retirado dessas andanças. É um livro que aconselho a todos, músicos, críticos ou melómanos insuspeitos.
Depois de todo este desabafo falta-me explicar porque razão decidi ilustrá-lo com uma foto do compositor Max Reger. Bem, com esta questão recordei-me da carta que Reger mandou para um jornal como resposta à crítica feita à estreia de uma das suas obras. Dizia o compositor ao crítico: "Estou neste momento sentado no quarto mais pequeno da minha casa com a sua crítica à minha frente. Dentro de alguns momentos ela vai estar atrás de mim!"
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