...e a Terra terá tremido?
A Semana Santa foi ocasião para dois concertos de temática cristã, envolvendo agrupamentos musicais e canstelações sonoras contrastantes. No CCB, tivemos o Stabat Mater de Luigi Boccherini (versão de 1871) interpretado por Enrico Onofri à frente do Divino Sospiro, especializado em música barroca; foi precedido pela estreia absoluta do Stabat Mater de Eurico Carrapatoso, encomendado para esta ocasião, com a Orchestrutopica e o Grupo Vocal Olisipo, sob a direcção de Cesário Costa. Em S. Vicente de Fora, pudemos ouvir instrumentistas das orquestras Metropolitana de Lisboa e Académica Metropolitana, sob a batuta de Michael Zilm, tocar uma obra de 1964 de Olivier Messiaen, Et expecto resurrectionem mortuorum; e escutamos ainda (entremeado com a orquestra) o Coro Gregoriano de Lisboa, dirigido por Helena Pires de Matos, cantar um próprio gregoriano da Missa. Este coro, seja pela qualidade individual das vozes, seja pela justeza dos tempo, pelo equilíbrio do fraseado ou pela adequada leitura rítmica dos neumas, apresentou com inexcedível dignidade ou cânticos que tradicionalmente pontuavam a Missa de Páscoa. Fazê-lo na noite de Quinta-feira santa é litúrgicamente impróprio, mas porque se deveria exigir aos promotores de concertos uma sensibilidade litúrgica hoje rara na igreja?
Na obra de Messiaen, os percussionistas e e instrumentistas de sopro da Metropolitana foram notáveis, embora a sincronia de ataques entre metais e madeiras, reconhecidamente difícil de obter, não fosse de início perfeita. A direcção simultâneamente calma e incisiva de Zilm logrou obter, em todo o caso, um efeito transparente e poderoso. A música de Messiaen, invulgarmente colorida e abrangente, de expressão ora agreste, ora excitante, ora reparadora, continua a interprlar-nos o imaginário. Como diz o ofertório gregoriano, agora cantado, com essa evocação da ressurreição " a terra estremeceu e ficou em paz".
Mas teremos nós, na noite anterior estremecido? Terá havido estranheza e comoção? Visceral mobilização? Houve, decerto, beleza a rodos: em doses intermitentes, no Stabat Mater de Boccherini; em doses mais fluentes, no de Carrapatoso. A partitura mais antiga, que justapõe secções inspiradas com outras algo rotineiras, foi executada com esmero e com invulgar atenção ao detalhe; a meio-soprano búlgara Alexandrina Pendatchanska destacou-se pela beleza do timbre e pela capacidade de contrastação dinâmica, mas revelou-se uma escpolha problemática como solista no capítulo da dicção (as palavras mal se percebiam) e da emissão vocal a partir do mezzo-forte (vibrato indistinguível de um trilo). Em contrapartida não houve nada de negativo a apontar à realização sonora do Stabat Mater de Carrapatoso: os músicos da Orchestrutopica estiveram ao melhor nível, com o Grupo Vocal Olisipo, e o barítono Armando Possante (também director do Olisipo, e um dos solistas gregorianos do concerto de quarta-feira) foi um solista excelente. A coesão do conjunto, a justa percepção dos detalhes da textura e da orquestração, deve-se ao cuidado posto nesta obra pelo maestro Cesário Costa, ajudado por um compositor que faz gala em escrever clara e detalhadamente. (...) O resultado é lindo. (...)
Manuel Pedro Ferreira
A Semana Santa foi ocasião para dois concertos de temática cristã, envolvendo agrupamentos musicais e canstelações sonoras contrastantes. No CCB, tivemos o Stabat Mater de Luigi Boccherini (versão de 1871) interpretado por Enrico Onofri à frente do Divino Sospiro, especializado em música barroca; foi precedido pela estreia absoluta do Stabat Mater de Eurico Carrapatoso, encomendado para esta ocasião, com a Orchestrutopica e o Grupo Vocal Olisipo, sob a direcção de Cesário Costa. Em S. Vicente de Fora, pudemos ouvir instrumentistas das orquestras Metropolitana de Lisboa e Académica Metropolitana, sob a batuta de Michael Zilm, tocar uma obra de 1964 de Olivier Messiaen, Et expecto resurrectionem mortuorum; e escutamos ainda (entremeado com a orquestra) o Coro Gregoriano de Lisboa, dirigido por Helena Pires de Matos, cantar um próprio gregoriano da Missa. Este coro, seja pela qualidade individual das vozes, seja pela justeza dos tempo, pelo equilíbrio do fraseado ou pela adequada leitura rítmica dos neumas, apresentou com inexcedível dignidade ou cânticos que tradicionalmente pontuavam a Missa de Páscoa. Fazê-lo na noite de Quinta-feira santa é litúrgicamente impróprio, mas porque se deveria exigir aos promotores de concertos uma sensibilidade litúrgica hoje rara na igreja?
Na obra de Messiaen, os percussionistas e e instrumentistas de sopro da Metropolitana foram notáveis, embora a sincronia de ataques entre metais e madeiras, reconhecidamente difícil de obter, não fosse de início perfeita. A direcção simultâneamente calma e incisiva de Zilm logrou obter, em todo o caso, um efeito transparente e poderoso. A música de Messiaen, invulgarmente colorida e abrangente, de expressão ora agreste, ora excitante, ora reparadora, continua a interprlar-nos o imaginário. Como diz o ofertório gregoriano, agora cantado, com essa evocação da ressurreição " a terra estremeceu e ficou em paz".
Mas teremos nós, na noite anterior estremecido? Terá havido estranheza e comoção? Visceral mobilização? Houve, decerto, beleza a rodos: em doses intermitentes, no Stabat Mater de Boccherini; em doses mais fluentes, no de Carrapatoso. A partitura mais antiga, que justapõe secções inspiradas com outras algo rotineiras, foi executada com esmero e com invulgar atenção ao detalhe; a meio-soprano búlgara Alexandrina Pendatchanska destacou-se pela beleza do timbre e pela capacidade de contrastação dinâmica, mas revelou-se uma escpolha problemática como solista no capítulo da dicção (as palavras mal se percebiam) e da emissão vocal a partir do mezzo-forte (vibrato indistinguível de um trilo). Em contrapartida não houve nada de negativo a apontar à realização sonora do Stabat Mater de Carrapatoso: os músicos da Orchestrutopica estiveram ao melhor nível, com o Grupo Vocal Olisipo, e o barítono Armando Possante (também director do Olisipo, e um dos solistas gregorianos do concerto de quarta-feira) foi um solista excelente. A coesão do conjunto, a justa percepção dos detalhes da textura e da orquestração, deve-se ao cuidado posto nesta obra pelo maestro Cesário Costa, ajudado por um compositor que faz gala em escrever clara e detalhadamente. (...) O resultado é lindo. (...)
Manuel Pedro Ferreira
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