segunda-feira, outubro 03, 2011

Geração Heidi vs. Geração Pokémon


GERAÇÃO HEIDI
Têm hoje 30 anos, ou à volta disso. Chamavam-se Anas "qualquer coisa..." (especialmente Cristina, Filipa, Rita ou Sofia). As outras eram Carla, Sandra ou Sónia. Os rapazes eram João "qualquer coisa..." (geralmente Pedro, Nuno ou Paulo) ou Luís Miguel. Muitas mães eram domésticas, e levantavam-se mais cedo para enfiarem almôndegas à força nos termos da escola. As que não eram andavam muito ocupadas nas manifestações e davam dinheiro para comer na cantina. Principal preocupação dos pais: que os filhos dessem em doutores.

Pequeno-almoço: papa de qualquer coisa, se possível com leite gordo e muito açúcar, ou então café com leite. Lanche: uma carcaça mole ensopada de doce de morango ou marmelada. Comida da cantina: carne assada com massa, bife com massa ou jardineira.

Levava-se para a escola: uma mochila verde tipo tropa com fechos de cabedal que encaracolavam no segundo dia e com inscrições dos grupos favoritos. Havia uma régua espetada nos dias das aulas de desenho. Pesavam toneladas. Não se conseguia encontrar os livros escolares. Estavam sempre esgotados porque eram os mesmos para toda a gente. Havia quem os forrasse para passarem para o irmão mais novo no ano seguinte. Na papelaria da esquina comprava-se 1 embalagem de marcadores, 1 afia, 1 borracha, 1 esquadro e era suposto que desse para todo o ano.

Na ginástica, usava-se sapatilhas brancas e fatos de treino azul escuro, encarnados ou verdes com uma risca branca e uns fechos muito desconfortáveis que faziam uma marreca à frente.

Nas aulas: faziam-se cadernos de autógrafos a dizer: "Nas ondas do teu cabelo, ensinaste-me a nadar / Agora que estás careca, ensina-me a patinar". Passavam-se papelinhos.

Nas férias: iam para a casa dos avós ou eram deixados à balda. Vestia-se aquilo que viesse à mão. Blusas verde-eléctrico com golas de bico, calças de bombazine com joalheiras. As meninas podiam ter aplicações de malmequeres de pano, vestiam saias de pregas sem nenhuma forma e sapatos rasos com lacinhos. Ambos: pull-overs às riscas, camisolas tricotadas pelas mães dois números acima, kispos (que deveriam durar quatro anos, no mínimo), galochas amarelas e botas caneleiras. Não havia a Zara. Era normal ser-se muito feio com 10 anos.

Trocavam-se cromos das Maravilhas da Natureza, da Heidi, do Vicky ou da caderneta do Benfica. Em casa brincava-se: às bonecas, aos carrinhos e com os bonecos dos Strunfs. Jogava-se ao jogo da Glória e ao Monopólio. Batia-se nos irmãos. Com os amigos, andava-se de skate, jogava-se ao elástico, o bate-pé e ao quarto-escuro. Alguns ficavam na rua a tarde toda a jogar à bola e a andar de bicicleta.


Lia-se: "A Condessa de Ségur", os "Cinco", as "Gémeas no Colégio de Santa Clara" e a Patrícia, a Mónica, a Mafaldinha e o Astérix. Os rapazes liam o Michel Vaillant. Na televisão via-se a "Abelha Maia", a "Água Viva" e o "Espaço 1999" (em reposição contínua), O Vasco Granja com desenhos animados checoslovacos que ensinavam a atravessar a rua, a Pantera cor-de-rosa e o professor Baltazar. Aos domingos, o Júlio Isidro, o "Sítio do picapau amarelo", "Dallas, o "Homem da Atlântida", os "Marretas" os "Anjos de Charlie" e "Os 3 Dukes".


No cinema: "7 noivas para 7 irmãos", "Sissi", "ET", a "Musica no coração" pela 2934484.ª vez, e"Os malucos" em outras fases da sua existência.


Ídolos: O Chalana, os Queen, Duran Duran, Billy Idol, Bruce Springsteen, Brian Adams, Sheena Easton e Bob Geldolf.

O que se vai recordar: esfregar a sola dos sapatos novos no passeio. A bola da comida de termo no prato. Verdade ou consequência. Os Porcos no Espaço. A tiara de lata da Supermulher, as barbatanas entre os dedos do Patrick Duffy. Os pacotes de Belinhas.

GERAÇÃO POKÉMON
Têm hoje 10 anos ou por volta disso. Chamam-se Joana, Inês e Filipa. Ou então, Marta, Mariana, Madalena ou Rita, sem falar na Cátia e na Vanessa, claro. Os rapazes são André, Tiago, Bernando, Fábio ou Marco. As mães trabalham até às 8 da noite, passam duas horas paradas no tabuleiro da ponte a ouvir a Rádio Nostalgia ou a pensar na vida e sabem que descongelar é uma arte. Principal preocupação dos pais: que os filhos não dêem em drogados.

Pequeno almoço: qualquer coisa que tenha crocante, chocolate e brinde escrito no mesmo pacote. Lanche: donuts, batatas fritas, tiras de milho frito ou snacks de chocolate. Comida da cantina: carne assada com massa, frango com massa ou bife com massa.


Levam para a escola uma mochila de rodinhas. Ou, então, mochilas impermeáveis de marca, pretas ou azul-escuro. Continuam a pesar toneladas. Em Setembro vão ao corredor do hipermercado que diz "Regresso às Aulas" e compram milhares de canetas, aguarelas e lápis de cera. Têm coisas sofisticadíssimas dentro do estojo, principalmente as meninas: borrachas com cheiro a tangerina, elásticos e fitas do cabelo, autocolantes minúsculos e pulseiras.

Na ginástica, as meninas vestem tops e calças de lycra. Os rapazes, calções. Ambos: ténis com sola fluorescente e que não digam "Made in Indonesia". Nas aulas: jogam Gameboy e mandam mensagens pelo telemóvel.

Nas férias: vão para campos de férias moer o juízo dos animadores ou passam 15 dias em Inglaterra a estudar Inglês. Os mais sortudos vão para casa de um amigo. Ambos vestem calças e sweat-shirts com t-shirt por baixo ténis em camurça. As meninas usam brincos, pulseiras, borboletas autocolantes para espetar no pescoço, molas, ganchos, malinhas, gel fluorescente. Há calças especiais para meninas, mais justas em cima. Todos os anos (algumas todos os dias) têm roupa nova. Não é suposto andarem andrajosos, nem no recreio. Conhecem-se as tendências internacionais. Há marcas que usam e outras que só por cima do seu cadáver. Trocam-se cartas do Pokémon e brindes de pacotes de batatas fritas. Quem pode, joga computador e fala num chat da Internet até às 4 da manhã. Vê-se televisão. Bate-se nos irmãos (é bom ver que algumas coisas não mudam). Nunca se brinca na rua porque se pode ser raptado por um pedófilo. O tempo que não se está na escola, está-se no inglês, na natação, no taekondo, no kickboxing ou, então, em casa a olhar para o ar.

Lêem: a colecção "Uma aventura" e outros autores portugueses. Os "Arrepios". "O clube das Amigas". Os mais intelectuais já se atiram ao Harry Potter.

Na televisão vêem: tudo o que os adultos vêem...

Não sei porquê, mas acho que alguma coisa, algures no meio deste processo, não correu bem…

2 comentários:

Maria Bayley disse...

Neste tenho que comentar... já está um bocado desactualizado. A geração Pokemón é a que tem agora 20 anos ou assim (ainda há pouco tempo perguntei a um miúdo se gostava de Pokemóns e ele perguntou-me o que era isso). Suponho que o Game Boy em geral já passou de moda... e confesso que não faço a menor ideia que joga a geração que tem agora 10 anos, suponho que ligar pelo telemóvel aos pais e insultá-los. Haha, suponho que estou velha, Sr. Professor, acabo de ter o pensamento "aqueles bons velhos tempos em que se jogava Pokemón, hoje em dia são todos uns patifes!".

Enfim, obrigada pelo post, e obrigada pelo belogue! :)

Possante disse...

Verdade seja dita, a geração Heidi são os que estão por volta dos 40 e não dos 30, portanto é um texto com uma decadazita de atraso. Ainda assim, vale pelo evidenciar das diferenças profundas entre a minha geração e a vossa. Não sei se alguma vez em apenas 20 anos houve mudanças tão marcadas. Doei!!!