Após uma semana passada a banhos (de chuva) no Algarve deixei passar algumas coisas sobre as quais queria falar neste espaço. Uma delas foi o maravilhoso concerto de final de temporada da Gulbenkian, o recital do soprano Karita Mattila.
Tenho ultimamente sido vítima de um fenómeno que me parece comum para quem se movimenta neste meio mas que ainda assim me aborrece sobremaneira. Com o excesso de trabalho e a falta de tempo tenho ido a cada vez menos concertos. Acontece também que já não me lembro qual foi a última vez que fui ver um concerto e não conhecia nenhum dos intérpretes. Mesmo conhecendo, sucede por vezes que outros compromíssos ou mesmo o cansaço falam mais forte e me impedem de saír de casa (exemplos recentes de que me lembro são o concerto da Capela Joanina e o Rheingold no S. Carlos).
Apesar de todas as contingências, fui à bilheteira da Gulbenkian e comprei os bilhetespara o dito recital. E não me arrependi! Que Mattila é uma cantora com uma voz lindíssima e prodigiosa é facto conhecido. Não tinha tido, no entanto, oportunidade de apreciar a sua capacidade interpretativa enquanto cantora de recital. Nem sempre uma grande cantora de ópera, por muito boa actriz que seja, domina da mesma forma a interpretação do Lied, seria o mesmo que esperar que todos os grandes actores fossem igualmente grandes declamadores de poesia. Para além desta incógnita, Mattila apresentou-se com um programa aparentemente heterogéneo: na primeira parte as Hermit songs de Barber (dedicadas a Leontyne Price, provavelmente a minha cantora favorita) e uma série de canções finlandesas e na segunda parte canções de Wolf (tiradas do Spanisches Liederbuch), Granados e Turina, ou seja de temática espanhola.
Mattila dominou absolutamente o público desde a primeira à última nota, controlando todas as nuances da belíssima voz, pondo-a sempre ao serviço da emoção do texto. Durante o programa bastente extenso (a primeira parte durou quase 50 minutos) a voz manteve-se sempre suave, com um timbre riquíssimo e igual em toda a tessitura, sem uma única nota a quebrar uma linha melódica perfeitamente arquitectada. Para além disto, a cantora soube mostrar uma simplicidade, humildade e simpatia admiráveis. É claramente alguém que, no melhor sentido da expressão, não se leva demasiado a sério, sabendo gracejar com o público e criar uma atmosfera intimista que, numa cantora do seu nível, facilmente poderia desaparecer. Apenas como exemplo digo que, para cantar o único encore da noite, uma das canções ciganas de Dvorák, Karita Mattila atirou os sapatos para o canto do palco, dizendo que não imaginava cantar esta canção com eles calçados. Em suma, uma lição de técnica, interpretação e também de contacto com o público. Aliás, foi bem notória a importância que dá a este contacto na simpatia com que recebeu os admiradores nos bastidores no fim do recital (com o terceiro vestido da noite...). Eu sou prova disso, e o disco autografado que agora tenho também.
Fiquei de tal forma bem impressionado que escolhi uma faixa de um dos seus discos para inaugurar uma nova característica deste belogue: as Notas de Música. Com alguma frequência vou partilhar com os meus amigos virtuais aquilo que vou ouvindo. Neste caso começamos com a fantástica Mattila e a primeira das maravilhosas Quatro Últimas Canções de Strauss. Espero que gostem.
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