sábado, junho 24, 2006

Naringe

Ontem à noite eu e outras duzentas e tal pessoas estivemos na Sé de Lisboa para o ensaio geral do concerto desta noite com a Missa em mi m de Bruckner. Tal como costumo dizer, o trabalho já está feito neste momento, o concerto vai ser só a confirmação.
Apesar das impressões de quem estava envolvido na interpretação o resultado foi realmente bom, tendo em conta os enormes problemas logísticos de fazer uma obra desta envergadura na Sé e a dificuldade da missa, sobretudo sendo interpretada por um coro na sua maioria formado por adolescentes. Tendo dito isto, é sempre impressionante ouvir um naipe de sopranos a cantar acima de um sol agudo durante duas horas. Bruckner obviamente não era soprano, por isso escreve sem problemas de consciência páginas inteiras de música em si bemol agudo. O efeito para quem ouve um ensaio onde estes momentos são repetidos várias vezes é um pouco opressivo, to say the least.
Apesar de (e isto é a verdade) auditivamente não se notar o menor esforço nas vozes dos sopranos (aliás, o som foi melhorando com o passar das horas) cada vez mais fui sentindo a minha própria garganta a contrair e a laringe a subir cada vez mais, até parecer que estava a sair pelo nariz, o estado a que costumo chamar "naringe".
A sensação de "naringe" é uma sensação que só quem canta conhece, quando o corpo pura e simplesmente deixa de obedecer e cada novo agudo é um momento de pânico e passamos o tempo a conversar com a nossa própria garganta, tentando convencê-la a descontrair. Há pouco tempo li na autobiografia da cantora Renée Fleming que esta sensação não é só minha. A ela sucede precisamente o mesmo, ou como ela diz, a laringe sobe até ao nível dos olhos e somos dominados pelos nossos diálogos internos, esquecendo a interpretação do papel.
Encontrei há pouco tempo este vídeo delicioso com a genial Debra Wilson que ilustra na perfeição o que é a "naringe". Atenção, não tentem fazer isto em casa! ;-)

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